segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Que é a Liberdade?


O passarinho perguntou ao lápis vermelho:
- O que é a LIBERDADE ?
O lápis rodopiou, pulou, riscou fraquinho, depois 
bem forte, rápido, em curvas, retas, texturas...
O passarinho não sabia rabiscar, mas mesmo assim agradeceu.


E continuou a perguntar. À lua, ao mágico, ao bebé, às bolas de sabão, ao espelho, à neblina, ao camaleão, ao dicionário, ao dragão...


Belos e poéticos, os diálogos revelam que a liberdade é algo de diferente para cada um dos seus interlocutores. Um hino à liberdade, revelada na diversidade que o conceito pode representar para cada um de nós. 


Para muitos, o passarinho é um símbolo da liberdade. Mas será que ele se sente livre mesmo? E, afinal, o que é a liberdade?  Foi pensando em tudo isto e partilhando ideias com crianças de várias escolas onde realizou oficinas, que a autora brasileira Renata Bueno fez nascer este livro.


"Foi uma delícia pensar com as crianças sobre como a liberdade podia ser diferente para cada um de nós, para os animais e para as coisas também!", afirma a autora que, em 2014, marcou presença na Ilustrarte. 


Há uns meses, os seus Monstros Urbanos, de que falámos aqui, estiveram expostos em Beja. Ainda este ano, terá o seu primeiro livro publicado em Portugal, pela mão da Orfeu Negro.


Fãs do seu trabalho, admiramos-lhe a versatilidade, a criatividade e a genuína alegria que sempre encontramos nos seus livros. Em Maio do ano passado, estivemos à conversa com Renata Bueno e ficámos a conhecer um pouco mais da autora e da sua obra.


Hoje, confessamos o fascínio por este livro livre que atravessou o oceano e veio parar às nossas mãos. Seguimos o passarinho e o mágico. Encanta-nos o tanto que temos voado por aí.

terça-feira, 23 de junho de 2015

A Sereia e os Gigantes


O último livro de Catarina Sobral, originalmente publicado pela SM Ediciones, no âmbito do Prémio Internacional de Ilustração da Feira do Livro de Bolonha 2014 e agora publicado pela Orfeu Negro, é inspirado na lenda da Praia da Rocha.


Reza a lenda que os dois gigantes, mar e montanha, cessaram a cordial relação de vizinhança que há muito mantinham, quando se perderam de amores por uma sereia que por ali apareceu.


Numa contenda de corações, os vizinhos viraram rivais, não hesitando em usar tudo o que tinham ao seu alcance para conquistar o coração da formosa criatura por quem se tinham encantado. Ela, por sua vez, com a voz cristalina que todas as sereias têm, pediu-lhes provas da sua força.


O mar puxou dos galões e ofereceu-lhe as ondas, os corais, os tesouros dos barcos naufragados, o azul profundo... e um ramo de flores. Mas a montanha não se intimidou e levou à sua amada as árvores, as joaninhas e os casulos, o sopro do vento, um trono de pedra no topo do mundo... e um colar de pérolas.
A sereia fez a sua escolha. Caprichosa? É o que vocês terão de descobrir.


As ilustrações de Catarina Sobral traduzem um festim de cores e de formas. Fiel a um estilo já inconfundível, mas nem por isso menos criativo, é possível o reencontro com alguns dos elementos que percorrem outros livros da autora. Os singulares e encantadores gigantes, com as suas silhuetas brancas, trazem-nos à memória as figuras de Vazio e de Não Há Dois Iguais. Apesar do registo completamente diferente, o cachimbo e os chapéus não nos deixam esquecer O Meu Avô. A profusão de imagens, as cores, as árvores... recordam-nos Achimpa.


Um livro onde os mais pequenos se perdem, deslumbrados com o tanto que têm para descobrir. Nós, os mais crescidos, deambulamos deliciados pela praia da Catarina, que é também a nossa. Com a certeza de que quando voltarmos a pisar a areia da Praia da Rocha, nos lembraremos delas. Da Catarina Sobral e da sereia.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Com Três Novelos (O Mundo Dá Muitas Voltas)

 Agulha-vai, agulha-vem...  a liberdade também pode passar por aqui. 


Com texto de Henriqueta Cristina e ilustrações de Yara Kono, a história, baseada em factos reais, conta o percurso de uma família que, no final dos anos 60, decide deixar para trás um Portugal asfixiado pela ditadura e partir em busca de um lugar livre para viver.


A filha, que agora nos conta a história, tinha apenas oito anos e guarda a memória de um país com muito sol, mas onde poucos meninos iam à escola. Os pais viviam de testa franzida e um dia, depois de ouvir a palavra "exílio", partiram. 

 

No novo país, muito arrumado e organizado, todos os meninos iam à escola. A ruga da testa do pai até desapareceu. Mas por pouco tempo. A mãe, que sabia tudo de malha, estranhou que nas lojas só se vendessem camisolas de três cores. Cinzentas, verdes e cor de laranja.


Enquanto observavam os meninos que iam para a escola, as rugas voltaram.  "Parecem um exército a marchar nos seus uniformes" - sussurrou a minha mãe ao meu pai. 


A cidade foi ficando cada vez mais cinzenta. O Inverno arrastava-se frio, longo e triste. Como  a monotonia das cores.  As mesmas cores, sempre as mesmas cores e as mesmas formas... 
As saudades do sol, dos avós e dos amigos pesavam.


Mas as rugas voltariam a desaparecer quando a mãe, lançando mão dos três novelos e das mesmas cores, sempre as mesmas cores, desencadeou uma pequena revolução. 
Agulha-vai, agulha-vem...No vaivém das agulhas, a liberdade de mudar invadiu a cidade. 


A mesma liberdade que parece percorrer, igualmente, as ilustrações de Yara Kono. É fabulosa a forma como, com as mesmas cores, sempre com as mesmas cores,  a ilustradora nos mostra a revolução das cores vivida na cidade. 


Uma criativa e genial forma de tratar um tema que, parecendo tão distante, nos lembra coisas de todos os dias. Talvez por isso, acabámos a leitura, acompanhados pelo Sérgio Godinho:  
Só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir...

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Bom Fim de Semana

Mar Ferrero

AVISO: Últimos dias da Feira do Livro! Se ainda não foram até lá, corram! Se já foram, vão outra vez! Bom fim de semana.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Black Dog ou чёрный пёс.


Todos os viajantes têm as suas manias. Nós pertencemos ao gang das livrarias. Já saímos com a lista feita. Chegamos a andar quilómetros para encontrar as casas onde moram os livros. Aquelas que julgamos imperdíveis.



Pelo caminho, descobrimos outras tantas. Que não estavam listadas. Livromania? Pode ser... 



Às vezes, ainda nos deparamos com uma casa cheia de livros onde também se pode saborear a gastronomia local. Um daqueles lugares onde o cheiro a comida se confunde com o cheiro dos livros... Ah, então temos um manjar dos deuses! Biblioteka? Mesa, por favor! 


Foi o que aconteceu, em Julho passado, quando estivemos em St. Petersburg. Enquanto andámos por lá, adoptámos este restaurante recheado de livros e de deliciosos sabores. E, não menos importante,  com preços bastante acessíveis. 



Viajar com crianças e pouca bagagem parece coisa impossível. Mas não é. Habitualmente, para além das mochilas, acompanha-nos uma mala quase vazia, à espera dos livros que conseguiremos trazer... Bisbilhotecamos tudo! Livros de rua, sebos, livros em primeira, segunda ou qualquer mão... O alfabeto cirílico não é propriamente a nossa praia, mas era impensável sair de terras russas sem trazer um livro! Livromania? Pode ser...


Entre Hipopómatos grandes e pequenos, foram muitas as pilhas de livros espreitados. Mas quando o vimos, soubemos que era ele! Era deslumbrante! Cada ilustração continha uma parafernália de detalhes, cada um mais magnífico do que o outro, que nos toldava os sentidos. A história? Entendemo-la toda, apesar de não percebermos "patafina" do texto. O nome do autor? Indecifrável. Mas havia algo de familiar...Teríamos de pesquisar. Livromania? Pode ser...


O ritmo de férias pode ser cruel e, com o livro já na nossa posse, não pensámos mais no assunto. A descoberta aconteceu já em casa... Afinal, tínhamos trazido um exemplar, em cirílico, do livro vencedor da Kate Greenaway medal, em 2013. Black Dog é o título original, da autoria do britânico Levi Pinfold. Só então percebemos porque nos era familiar.


É uma história sobre medos e a forma como os enfrentamos. Um cão preto, gigantesco e monstruoso é avistado lá fora. Um a um, todos os elementos desta família observam o animal. A cada relato, o cão parece ainda mais medonho e assustador. O medo é visível e todos querem esconder-se.   


A excepção é o elemento mais novo e pequeno da família (de nome Small, na versão inglesa). Corajosa e determinada, a pequena enfrenta a fera.  A conversa que mantêm parece frutuosa,  uma vez que o bicho se mostra convencido a segui-la. 


O caminho revela alguns obstáculos que vão sendo superados pelo temível monstro, enquanto a pequena vai implorando e desejando que se torne mais pequeno...
       

O uso que faz da escala, a colocação do texto em função do tamanho do cão, a sequência de cada cena em miniaturas de cor sépia são alguns dos pormenores fabulosos de que o autor lança mão. 


O realismo das ilustrações de Pinfold faz-nos entrar pela casa dos Hope, (é esse o nome da família), como se há muito os conhecêssemos. Cada detalhe é revelador dos hábitos e do estilo de vida dos pais e das três crianças. 


No final, o aplauso pela coragem da pequena heroína  é inevitável e a recompensa adivinha-se.


Um livro cheio de ternura e de humor sobre a forma como enfrentamos (ou não) os nossos medos, que muito gostaríamos de ler em português... Livromania? Pode ser, mas recusamos qualquer tipo de tratamento.


quinta-feira, 4 de junho de 2015

Finalmente, O Pombo chegou!


Com mais de dez anos e sete milhões de livros vendidos, o Pombo azul chegou esta Primavera a Portugal, pela mão da Booksmile. E nós, que admiramos a rebeldia e a determinação da criatura, ficámos felizes com a sua chegada. Até porque chegou duas vezes


Mo Willems, o seu prestigiado criador, tornou-se conhecido (e premiado) como argumentista da inesquecível Rua Sésamo. Homem de vários ofícios,  é também criador de desenhos animados, autor e ilustrador. Os vários livros do Pombo, todos eles best-seller do New York Times, trouxeram-lhe o reconhecimento merecido. Por cá, existe um outro livro seu,  Leonardo, O Monstro Terrível, editado em 2010 pela Orfeu Negro.


O sucesso alcançado torna a pergunta inevitável. O que é que o Pombo tem? 
Tem muita lábia, uma forte persistência, uma candura desconcertante na forma como pretende impor a sua vontade e, até, uma razoável dose de irritabilidade quando percebe que não vai alcançar o que pretende. 


As semelhanças de comportamento com o público infantil não são pura coincidência. A identificação é rapidamente assimilada pelos pequenos leitores, que reconhecem no Pombo algumas das suas próprias artimanhas e expedientes.


A estratégia do autor é delineada logo no início de cada livro, assentando na responsabilização dos pequenos leitores, a quem um adulto atribui, por algum tempo, a tarefa de não deixar o Pombo fazer determinada coisa.
Não Deixes o Pombo  Guiar o autocarro!  
Não Deixes o Pombo Ficar acordado até tarde!  
                                                                                 

A tarefa apresenta-se de proporções gigantescas, só comparáveis às do poder de persuasão do Pombo, que tenta de tudo para levar a água ao seu moinho. Cada página configura uma piscadela de olho ao pequeno leitor, uma tentativa de o aliciar, um apelo à sua cumplicidade. 


Desistir não é palavra que conheça. Quando as manobras de charme parecem não resultar, abandona-as em prol de uma velha conhecida manobra de vitimização, que lembra, aqui e além, o injustiçado Calimero. Mas não se fica por aqui. Esgotados todos os recursos, o Pombo também se irrita e faz birras.


Com um estilo minimalista, as ilustrações mostram, quase sempre, um Pombo dono e senhor da totalidade da página, onde a cor do fundo vai mudando de acordo com o estado de espírito por ele evidenciado.



Sem se darem conta, os pequenos leitores assumem aqui um papel que, por regra, está reservado aos adultos. O Pombo ocupa o lugar que é deles e a que estão habituados. É nesta inversão que parece residir a razão do grande sucesso dos livros de Mo. Afinal, as crianças adoram desafios.


Não Deixem o Pombo a falar sozinho! Apresentem-no às crianças!